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A Marcha para Jesus, a Parada Gay e os medos
A Marcha para Jesus, evento convocado por várias denominações evangélicas e que acontece anualmente em São Paulo, reuniu muita gente ontem. Os organizadores falaram em 5 milhões. É um possível exagero. A Polícia Militar, em 1 milhão, mas esse número, deixou claro, dizia respeito apenas às pessoas que se concentravam na praça Heróis da FEB, na Zona Norte da cidade, local de chegada da caminhada. O ponto principal da concentração, a partir das 10h, era a Praça da Luz. Mas havia dezenas deles espalhados no trajeto. As ruas foram tomadas por um mar de fiéis.
Cinco milhões? É muito! Um milhão? É pouco! A verdade deve andar aí pela metade da soma dos dois números (3 milhões?), o que já é algo fabuloso, sobretudo porque, à diferença de algumas concentrações festivas ou de apelo carnavalesco, esta congrega pessoas com convicções religiosas, realmente engajadas na causa. Dispensam-se os curiosos de certos eventos, que ficam parados na calçada assistindo ao desfile de alegres bizarrices.
A marcha acontecia na Avenida Paulista e adjacências. Dados o número de pessoas e os transtornos óbvios que ela provocava no trânsito da cidade, as lideranças evangélicas concordaram com a mudança de lugar. Como Deus, a rigor, não precisa nem mesmo de um templo, também não precisa da Paulista. A tal Parada Gay, no entanto, que também reúne milhões (boa parte de curiosos) e que interfere drasticamente no direito de ir e vir, continua a ser realizada na avenida. Em nome de Deus, não se pode parar o trânsito, mas da causa gay, sim, de onde decorre um corolário: no que concerne ao direito de ir e vir ao menos, a militância homoafetiva está acima do divino… E o mesmo se diga dos que marcham em favor da maconha: a Paulista está vedada ao Deus cristão, mas aberta aos, como é mesmo?, cultores de Jah… Como não resisto à ironia, é nessas horas que me ocorre lembrar certos doutores: todos os deuses dos gentios são demônios (xiii, lá vem protesto dos ignorantes que nem sabem do que estou falando…).
De saída, uma questão óbvia: ou a Marcha para Jesus volta para a Paulista, ou a Parada Gay sai da Paulista. E quem criou essa oposição não fui eu, mas o poder público. Adiante.
Vocês sabem que o segredo de aborrecer é dizer tudo. Embora, do Jornal Nacional, tenha sobrado a impressão de que milhões estavam nas ruas só dando “vivas” a Jesus, a verdade é que o evento se caracterizou por duros discursos contra o Supremo Tribunal Federal, especialmente pela reconhecimento da união civil entre homossexuais e pela liberação da Marcha da Maconha — uma decisão fere o Artigo 226 da Constituição; a outra, o Artigo 287 do Código Penal.
Informa a Folha:
“O pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, chegou a recomendar aos fiéis que não votem em políticos que sejam favoráveis à união gay. ‘O povo evangélico não vai ser curral eleitoral’, disse. ‘Se governador, prefeito ou presidente for contra a família, não terá nosso voto.’ Para Malafaia, o Supremo ‘rasgou a Constituição’ ao permitir a união civil entre homossexuais. O pastor negou que seja homofóbico. No Congresso, 71 deputados e três senadores são ligados a igrejas evangélicas. (…) Pastor da Igreja Universal, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) criticou o ‘ativismo judicial’ e disse que ‘não é possível que seis iluminados se julguem capazes de decidir por 200 milhões’.”
Aqui só um reparo ao que diz Crivella: os 11 do Supremo têm, sim, o papel de decidir questões constitucionais que dizem respeito a 200 milhões. O que não podem fazer, aí sim, é atuar contra a letra da Constituição e dos códigos legais em nome do tal “ativismo judicial” ou o que seja. Até porque, havendo ativismo judicial de um lado, é quase certo que algum outro Poder — no caso, o Congresso — está a padecer de “passivismo legislativo”… E como eu não seria eu se não escrevesse o que vai agora, então escrevo: Crivella é da Universal do Reino de Deus, a seita liderada pelo lulista Edir Macedo. Macedo é um ardoroso defensor do aborto, como se pode ver aqui. E não tem pejo de recorrer à Bíblia, numa leitura torta, para justificá-lo. Eu diria que a defesa do aborto é uma violação da Constituição moral dos cristãos. Encerro o parágrafo e volto ao leito.
Este Brasil que marchou ontem costuma ser tratado a pontapés na “imprensa progressista”, tanto quanto aquele que marchará depois de amanhã parece carregar todos os valores do humanismo superior, embora ninguém tenha dúvida de qual deles está de acordo com os valores da esmagadora maioria dos brasileiros. Atenção! A maioria não está necessariamente certa só porque maioria — aliás, a história ensina que pode, eventualmente, estar estupidamente errada. Mas é de uma soberba estupenda que valores solidamente arraigados na cultura brasileira sejam tratados apenas como uma tolice do senso comum a ser superada por um ente de razão civilizador, que vai educar o povo ex officio.
Tenho para mim que as atuais oposições só voltarão ao poder no Brasil no dia em que não tiverem mais medo dos que marcharam ontem nem dos que marcharem depois de amanhã. São medos diferentes, evidentemente, mas que se combinam: num caso, a oposição teme parecer reacionária; no outro, teme não parecer progressista; em qualquer caso, fica imobilizada. Os crentes e os gays vão para a praça, e os oposicionistas ficam dando milho aos pombos…
Por Reinaldo Azevedo do blog